Casa de Espíritos

sexta-feira, junho 20, 2008

Uma tiara sobre cabelos brancos

Um casal passeia-se de mão dada. Um sorriso brilha no olhar. Olhos presos nos do outro enquanto conversam. O cabelo dela está arranjado, foi de certeza ao cabeleireiro, nota-se um reflexo arroxeado na sua ainda farta cabeleira branca.
Olho para o casal e penso “será que algum dia…?”
(É provável que não. É provável que me fique pelas relações de fugida, que acabam mesmo antes de começar. É provável que quem me queira, queira só pelo que vê e não pelo que sou. É provável que me digam, vezes sem conta, “Estás tão bonita. Estou aqui, preso à tua imagem” e que me olhem primeiro para o decote, depois para o sorriso, e não ouçam sequer o que digo, não sintam o que sinto, não queiram saber dos meus sonhos ou das minhas incertezas)
Tento imaginar-me, de mão dada e sorriso no olhar com alguém. Lá estou eu, cabelos brancos, rugas na cara e nas mãos.
Penso: E o resto? Como é viver com alguém durante tantos anos? Que segredos têm essas relações entre duas pessoas que partilham tudo (?) na vida, que palavras têm de ouvir e engolir, quantas vezes se choram no ombro um do outro, quantas vezes partilham a casa de banho (porquê a casa de banho?), quantas vezes se grita e depois tudo bem, quantas quantas quantas vezes se magoam, torturam com a presença do outro? Quantas vezes se grita por meias sujas no chão da sala, pelo leite fora do frigorífico, pelo cheiro a tabaco que teima em não desaparecer, apesar das janelas abertas? Quantas vezes farão amor, que novas formas hão-de encontrar de sentirem prazer, como hão-de desconhecer o corpo um do outro, quantas vezes mentirão apenas para não se magoarem mais?
Tento imaginar-me. Na verdade, não consigo. Dizem-me: ‘isso é porque ainda não encontraste a pessoa certa’. Talvez. Não encontrei a pessoa que me há-de tratar como uma princesa. Mesmo que nesse dia a minha tiara brilhe menos que os meus cabelos brancos.

1 Comments:

  • e prontoSS. os meus olhinhos ficaram a brilhar porque no texto que li me revi nas palavras que muito, muito tempo escrevi.
    e, depois, numa noite, em que o calor atrofiava tudo e todos, conheci-o e, não naquele instante, mas umas semanas mais tarde, percebi que passaríamos toda a vida juntos. para sempre. e nem mesmo a morte nos separaria. nunca.
    HAKUNA MATATA! :)

    By Anonymous Anónimo, at 10:42 da manhã  

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