Casa de Espíritos

segunda-feira, abril 20, 2009

ando a comer os meus sonhos

Ando a comer os meus sonhos
como-os, 
de boca aberta
Ponho-os de lado, esqueço-os
são loucura, disparate
nem me lembro que sonhos são
falta-me a vontade
falto-me à verdade
não os sigo
fico quieta
ando a comer os meus sonhos
e nem a janela deixo aberta.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

II

Não sei como dizer-te que minha voz te procura

e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço — e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram.

(excerto do poema «Tríptico», de Herberto Hélder, publicado em A Colher na Boca, 1961)

domingo, fevereiro 01, 2009

É urgente

É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer
É urgente o amor, é urgente
permanecer

Eugénio de Andrade

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Unattainable*

Only when the goal is unattainable
Do I start to feel like I'm losing myself
And this deep secret that hasn't come out yet
Is burried down deep with the rest
I can't coerce you into this one
Jealousy, lay all your spells to bed
I'll choose unloved instead
If only songs were sung to guide the doubtful ones
Beyond the rough where not as much is good enough
Oh, if you find youself amongst the lonely ones
I will be waiting here with open arms
I can't coerce you into this one
Jealousy, lay all your spells to bed
I'll choose unloved instead
* Little Joy, a ouvir e ver em http://www.youtube.com/watch?v=Qs6WFMJGxE8&feature=related

domingo, janeiro 11, 2009

Diz a C.

"Amor que não é loucura não é amor"

Dizem os espíritos

"Não esperes dos outros aquilo (que sabes) que não estás preparado para dar"

terça-feira, dezembro 30, 2008

O leito no peito, por Antonio Prata

Um blogue de um tipo meio intelectual, meio de esquerda, brasileiro, a descobrir e a acompanhar: http://blog.estadao.com.br/blog/antonioprata/. Aqui fica um dos seus textos, para se deliciarem:

Dizem que num dos pergaminhos do Mar Morto, escrito em aramaico no século II A.C. e só recentemente decifrado, encontraram um versículo perdido do Gênesis. Depois de expulsar Adão e Eva do paraíso e condená-los aos castigos já conhecidos, Deus teria acrescentado: “E mais! Ireis para a cama dispostos, mas acordareis um caco” – numa livre tradução.

Não sei quanto a Adão, Eva e você, leitor, mas em mim a pena ainda vigora, forte como nos tempos pré-diluvianos. Um minuto antes de deitar-me tenho ganas de ler toda a obra de Machado, pegar a Sessão Corujão do comecinho, arrumar a gaveta onde cartas da primeira namorada misturam-se às últimas declarações do imposto de renda. Já ao abrir os olhos pela manhã, tudo o que eu queria era poder dormir de novo, para sempre. Depois de atravessar esse lusco-fusco existencial em que a vida, pendurada nas pálpebras, faz todos os projetos parecerem impossíveis, ganhar o pão com o suor do próprio rosto é fichinha.

Assombra-me que o direito ao sono não tenha surgido na pauta de nenhuma vanguarda do século XX. Liberaram o sexo, acusaram a família, o Estado, a Igreja; queimaram fumo, a bandeira americana, sutiãs: por que raios não foram às praças pisotear despertadores? Por que os mesmos que conseguiram fazer “samba e amor até mais tarde” não tiveram coragem de dormir mais um pouquinho, evitando “muito sono de manhã”? (Alarme, do italiano, às armas! Pode haver etimologia mais nefasta para trazer-nos dos sonhos à labuta?).

O honrado leitor, que acorda com os galos ou as primeiras buzinas, talvez ache o assunto por demais comezinho para uma passeata. Não deve ter compreendido, ainda, as repercussões políticas da auto-gestão do sono. Se cada um acordasse quando quisesse as pessoas sairiam de casa aos poucos, não haveria rush, o transporte público daria conta do recado, as emissões de carbono despencariam, a Islândia pararia de derreter, a Björk estaria salva, assim como os ursos polares, Ilhabela, o futevôlei, Veneza, os pingüins e Ubatuba, sem contar que teríamos tempo para ler, ver TV, arrumar a gaveta, fazer samba e amor até mais tarde e não ter muito sono de manhã.

Embora o tema seja urgente, não o vi ser discutido em nenhum debate pelos candidatos que hoje disputam nosso voto. Sequer um nanico ou aspirante a vereador, desses que encampam as bandeiras mais disparatadas, levantou a voz (abaixou, talvez, seja o termo correto) para defender o sono de 10 milhões de habitantes.

Podem alegar que, dada a grandeza do problema, não caiba ao município resolvê-lo, mas ao governo federal ou talvez à ONU. De acordo, mas em algum lugar a revolução tem que começar. Ou nos levantamos imediatamente pela auto-gestão de nosso sono, ou daqui a pouco a água estará batendo em nossas olheiras. Ou vice-versa. Às armas!

segunda-feira, dezembro 29, 2008

É tão simples

Quero mais
Quero mais
É tão simples abusar do meu espírito ingênuo
Já passaram mil romances, caravanas, sentimentos
Desarvorados
Num tempo sublime
Do verbo amar.
Amarei aquele que chegou
Pra não partir jamais
Partiu
Agora eu quero mais
Chico Buarque