Casa de Espíritos

terça-feira, dezembro 30, 2008

O leito no peito, por Antonio Prata

Um blogue de um tipo meio intelectual, meio de esquerda, brasileiro, a descobrir e a acompanhar: http://blog.estadao.com.br/blog/antonioprata/. Aqui fica um dos seus textos, para se deliciarem:

Dizem que num dos pergaminhos do Mar Morto, escrito em aramaico no século II A.C. e só recentemente decifrado, encontraram um versículo perdido do Gênesis. Depois de expulsar Adão e Eva do paraíso e condená-los aos castigos já conhecidos, Deus teria acrescentado: “E mais! Ireis para a cama dispostos, mas acordareis um caco” – numa livre tradução.

Não sei quanto a Adão, Eva e você, leitor, mas em mim a pena ainda vigora, forte como nos tempos pré-diluvianos. Um minuto antes de deitar-me tenho ganas de ler toda a obra de Machado, pegar a Sessão Corujão do comecinho, arrumar a gaveta onde cartas da primeira namorada misturam-se às últimas declarações do imposto de renda. Já ao abrir os olhos pela manhã, tudo o que eu queria era poder dormir de novo, para sempre. Depois de atravessar esse lusco-fusco existencial em que a vida, pendurada nas pálpebras, faz todos os projetos parecerem impossíveis, ganhar o pão com o suor do próprio rosto é fichinha.

Assombra-me que o direito ao sono não tenha surgido na pauta de nenhuma vanguarda do século XX. Liberaram o sexo, acusaram a família, o Estado, a Igreja; queimaram fumo, a bandeira americana, sutiãs: por que raios não foram às praças pisotear despertadores? Por que os mesmos que conseguiram fazer “samba e amor até mais tarde” não tiveram coragem de dormir mais um pouquinho, evitando “muito sono de manhã”? (Alarme, do italiano, às armas! Pode haver etimologia mais nefasta para trazer-nos dos sonhos à labuta?).

O honrado leitor, que acorda com os galos ou as primeiras buzinas, talvez ache o assunto por demais comezinho para uma passeata. Não deve ter compreendido, ainda, as repercussões políticas da auto-gestão do sono. Se cada um acordasse quando quisesse as pessoas sairiam de casa aos poucos, não haveria rush, o transporte público daria conta do recado, as emissões de carbono despencariam, a Islândia pararia de derreter, a Björk estaria salva, assim como os ursos polares, Ilhabela, o futevôlei, Veneza, os pingüins e Ubatuba, sem contar que teríamos tempo para ler, ver TV, arrumar a gaveta, fazer samba e amor até mais tarde e não ter muito sono de manhã.

Embora o tema seja urgente, não o vi ser discutido em nenhum debate pelos candidatos que hoje disputam nosso voto. Sequer um nanico ou aspirante a vereador, desses que encampam as bandeiras mais disparatadas, levantou a voz (abaixou, talvez, seja o termo correto) para defender o sono de 10 milhões de habitantes.

Podem alegar que, dada a grandeza do problema, não caiba ao município resolvê-lo, mas ao governo federal ou talvez à ONU. De acordo, mas em algum lugar a revolução tem que começar. Ou nos levantamos imediatamente pela auto-gestão de nosso sono, ou daqui a pouco a água estará batendo em nossas olheiras. Ou vice-versa. Às armas!

segunda-feira, dezembro 29, 2008

É tão simples

Quero mais
Quero mais
É tão simples abusar do meu espírito ingênuo
Já passaram mil romances, caravanas, sentimentos
Desarvorados
Num tempo sublime
Do verbo amar.
Amarei aquele que chegou
Pra não partir jamais
Partiu
Agora eu quero mais
Chico Buarque

terça-feira, dezembro 23, 2008

Cadê teu suin?

A Maria Rita lá teve razão em incluir nos seus dois primeiros discos músicas deste compositor. Numa entrevista, a cantora disse que teve de o fazer depois de ouvir o "Bloco do Eu Sozinho", dos Los Hermanos. Nos álbuns de Rita, as músicas de Marcelo Camelo (Santa Chuva - editado agora no "Sou", Casa Pré-Fabricada, Veja Bem Meu Bem) aparecem completamente diferentes, despidas do rock-pop-ska que caracteriza a sonoridade dos Los Hermanos. Apesar de pessoalmente gostar mais do Marcelo a solo, nos Los Hermanos o Marcelo Camelo também escreveu e compôs coisas muito interessantes. Esta é do "Bloco". Chama-se "Cadê teu suin?" É para ler com atenção...

Cadê teu repi
quem é teu padrin
onde é que tu to
Cadê teu suin?

guitarra não po
desista mole
quem é que te indi
cadê teu suin?

com que sobreno
melhor ir sain
dou nem mais minu
to nem mais
Ainda tem a cora
gentinha atrevi
da cá sua vi
da cá seu suin

guilhotina?
eu que controlo o meu guidom!
Com ou sem suin
Com ou sem suin
Com ou sem suin

guichê só de vem
da lá toma no
tamanha revan
cheio de vingan
santinha Cecili
andou me esquecen
dou rima por p
hão de ter o suin

acerta esse tom
zera essa reza
aumenta o vo
calma com andamen
to insatisfeito
mara q venh
aquel refr
hão de teu suin

guilhotina?
eu que controlo o meu guidom!
Com ou sem suin
Com ou sem suin
Com ou sem suin

segunda-feira, dezembro 22, 2008

sou nós ou nós sou?


Os dois poemas em baixo são, na verdade, duas músicas do álbum Sou/Nós (pode ler-se das duas formas - já alguma vez se tinham lembrado disso?), de Marcelo Camelo, ex-vocalista e compositor da banda brasileira Los Hermanos, agora a solo (www.myspace.com/marcelocamelo). O álbum foi lançado em Setembro no Brasil e ainda não chegou a Portugal (infelizmente).... Marcelo - que têm feito correr muita tinta virtual pelo seu namoro assumido com Mallu Magalhães, uma cantora/música/autora/compositora cujo provável único defeito é o facto de ter... 16 anos (Marcelo tem 30) - esteve no festival Super Bock em Stock e, diz quem lá esteve, foi no mínimo encantador. Lanço o pedido à rede: tragam-no cá outra vez!!! Rápido! :)

Doce Solidão

Posso estar só
Mas sou de todo o mundo
Por eu ser só um
Ah, nem! Ah, não! Ah, nem dá!
Solidão foge que eu te encontro
Que eu já tenho asa
Isso lá é bom, doce solidão?

Janta

Eu quis te conhecer mas tenho que aceitar
Caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá
Pode ser cruel a eternidade
Eu ando em frente por sentir vontade

Eu quis te convencer mas chega de insistir
Caberá ao nosso amor o que há-de vir
Pode ser a eternidade má
Caminho em frente pra sentir saudade

Paper clips and crayons in my bed
Everybody thinks that i'm sad
I'll take a ride in melodies and bees and birds
Will hear my words
Will be both us and you and them together

Cause i can forget about myself, trying to be everybody else
I feel allright that we can go away
And please my day
I let you stay with me if you surrender

Eu quis te conhecer mas tenho que aceitar
(I can forget about myself trying to be everybody else)
Caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá
(I feel allright that we can go away)
Pode ser a eternidade má
(And please my day)
Eu ando sempre pra sentir vontade.
(I'll let you stay with me if you surrender)