O avô não abre a boca para comer o bocado de pão que tentamos dar-lhe. Deitado, o barrete de lã aquece-lhe a cabeça, e só fala para pedir um beijinho à avó e para pedir que ela vá chamar o pai e a mãe para o pé dele. O pai e a mãe do avô morreram há muito, nem eu os conheci. A avó chora ao lado da cama. Perde as forças nas pernas, ajoelha-se ao lado dele. 'Se a tua mãe soubesse como tu estás', lamenta, entre lágrimas. Digo à avó para não ficar assim, e ela, no minuto seguinte, já não se lembra da nosssa conversa. Olho para o avô e lembro-me da sua voz de trovão, que tanto medo nos fazia quando se zangava ou quando bebia um pouco demais. Olho para ele e lembro-me dos passeios que fazíamos na pasteleira à procura de 'baraços' e de passarinhos para caçar. Olho para ele e imagino o moço que ia de terra em terra cantar à desgarrada e tocar acordeão. Olho para ele e imagino que criança foi, que bebé de colo foi, como foi a gravidez da bisavó V. É este o fim da nossa caminhada?