Casa de Espíritos

segunda-feira, março 26, 2007

Fato de Verão

Olho para a menina que está à minha frente. Deve ter pouco mais de 30 anos, uma garota. Morena, cabelo ondulado, o perfume é doce. Estou encostado à porta, tento cruzar a perna mas não consigo. Este é o meu fato de Verão, beige e castanho; comprei-o nem há quinze anos. Ainda está um pouco frio, uso um pullover azul por baixo e o meu chapéu de feltro a condizer. Os sapatos são praticamente novos, não têm mais de quatro anos. Ainda foram caros; comprei-os por sete contos e meio, agora, no dinheiro novo. Nas mãos, nunca esqueço dos anéis, prendas de outrora. São de ouro bom, sei porque os mordi e reconheço-o. São três: dois no anelar e um no mindinho. Em casa tenho de os tirar, as mãos incham-me. Já não sou como antigamente. Olho para a menina. Ela passa por mim os olhos. Será que olha para mim? Estou bem arranjado, sinto-me bem. Na verdade, sinto-me um jovem, apesar de me esquecer de muitas coisas, coisas importantes. Mas em que penso eu? Quando olha, sei o que pensa: sou um velho, apenas, e eu aqui dentro com tantos pensamentos.

sexta-feira, março 16, 2007

Sssshh...

Conta-me um segredo. Conta-me o segredo. Baixinho, para que seja eu a única a ouvir.
(Duvido que o entenda. Duvido que te perdoe logo a seguir).

Mas conta-me, conta-me. Conta-me o que eu imagino só. Diz-me assim, num suspiro, porque não estás aqui. Sssshh.. baixinho…

sexta-feira, março 02, 2007

Ter uma. Ter várias*

Ter uma só cara
é estar-se nu
em casa
ou no jardim.

Ter várias caras
é mais fácil
que estar-se nu
em qualquer lado.

Ter várias caras
é doença social
de bom tom.

Ter uma só cara
é saúde
ou doença mental.

*Tomé Varela da Silva, poeta caboverdiano.