O cabelo cortado
Tu, de t-shirt preta dos Metallica, eu, com a camisola mais larga que encontrara no armário (36C aos 16 anos era, assim, como que uma espécie de atrapalhação).
Estavas encostado a um carro, à minha espera. Não nos víamos há um ano. Eu ia de cabelo pelo queixo, diferente do cabelo pelas costas e franja curta com que me tinhas deixado.
“Estás diferente”. E nesse “estás diferente” couberam todos os beijos, abraços, primeiras-vezes-que-dormimos-juntos, desilusões e finais abruptos que ainda estavam para vir.
“Estou. Cortei o cabelo”.
Rimos. E agora? Aposto que foi esse o pensamento que também te surgiu.
Agora…
Vamos andar de metro, rir-nos um do outro, fazer os outros rirem de nós. Vamos deixar passar a estação onde teríamos de sair, esperar à frente das escadas que descem pelo degrau que queríamos que subisse. Vamos desenhar no mapa a estrada que vamos apanhar quando nos decidirmos a fugir desta vida, desta, em que ainda estamos hoje. Vamos conversar com chocolate nos dentes, como se nada fosse, deixar-nos adormecer nas tardes em que só há uma aula, vamos descobrir-nos e sonhar que estamos a fazer amor.
Nem sempre te vou tratar bem, meu querido. E nem tu a mim. E, um dia, quando me telefonares de madrugada, assustado com os espíritos que por vezes te surgem, eu vou desligar o telefone e gritar para que nunca mais me ligues.
Um dia, anos mais tarde, hei-de procurar por ti, mas não vou ter coragem de te encontrar. Apenas te posso imaginar: continuas igual, um ou outro cabelo branco, as notas do Patience que te saem desafinadas. “Como é que era? Espera, espera, vou tocar outra vez, não saias daí”. E eu não saio.
Estavas encostado a um carro, à minha espera. Não nos víamos há um ano. Eu ia de cabelo pelo queixo, diferente do cabelo pelas costas e franja curta com que me tinhas deixado.
“Estás diferente”. E nesse “estás diferente” couberam todos os beijos, abraços, primeiras-vezes-que-dormimos-juntos, desilusões e finais abruptos que ainda estavam para vir.
“Estou. Cortei o cabelo”.
Rimos. E agora? Aposto que foi esse o pensamento que também te surgiu.
Agora…
Vamos andar de metro, rir-nos um do outro, fazer os outros rirem de nós. Vamos deixar passar a estação onde teríamos de sair, esperar à frente das escadas que descem pelo degrau que queríamos que subisse. Vamos desenhar no mapa a estrada que vamos apanhar quando nos decidirmos a fugir desta vida, desta, em que ainda estamos hoje. Vamos conversar com chocolate nos dentes, como se nada fosse, deixar-nos adormecer nas tardes em que só há uma aula, vamos descobrir-nos e sonhar que estamos a fazer amor.
Nem sempre te vou tratar bem, meu querido. E nem tu a mim. E, um dia, quando me telefonares de madrugada, assustado com os espíritos que por vezes te surgem, eu vou desligar o telefone e gritar para que nunca mais me ligues.
Um dia, anos mais tarde, hei-de procurar por ti, mas não vou ter coragem de te encontrar. Apenas te posso imaginar: continuas igual, um ou outro cabelo branco, as notas do Patience que te saem desafinadas. “Como é que era? Espera, espera, vou tocar outra vez, não saias daí”. E eu não saio.